sexta-feira, 12 de agosto de 2016

E a celeuma continua... Presidenta ou presidente?


O debate voltou à tona por causa da declaração de uma presidentX que quer ser chamada de presidente, porque diz que respeita a língua portuguesa, deixando aos bons entendedores a insinuação de que presidenta seria um desrespeito à língua.

Antes de tudo, mais do que um debate linguístico, esse é um debate político, uma tomada de posição.

Para comprovar a legitimidade e a antiguidade da palavra presidenta, duas lexicógrafas da equipe do dicionário Aurélio, Marina Baird Ferreira e Cássia Menezes da Silva, fizeram uma pesquisa em dicionários mais antigos para comprovar o registro e o uso da palavra presidenta. E é mais antigo do que você pensa.

Reproduzo o quadro abaixo, retirado do site do Ig.

E aí se demonstra mais uma função do dicionário: a de documentação e fonte de pesquisa histórica. Além das rotineiras consultas sobre ortografia e significado das palavras, os dicionários, especialmente os de língua geral, podem ser usados como atestação de usos e registros.

A questão está resolvida, usar "presidenta" é perfeitamente legítimo.
Isso não significa que você é obrigado a usar a palavra. Assim como com outras palavras, a escolha é livre. Dá pra usar "presidente" em referência a uma mulher, assim como você pode usar "gigante" e "comediante", também se referindo a uma mulher.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

María Moliner: la mujer que escribió un diccionario

María Moliner: la mujer que escribió un diccionario
por Gabriel García Márquez
«María Moliner sintió que le sobraba demasiado tiempo después de sus cinco horas de bibliotecaria, y decidió ocuparlo escribiendo un diccionario. La idea le vino del Learner´s Dictionary, con el cual aprendió el inglés. Es un diccionario de uso; es decir, que no solo dice lo que significan las palabras, sino que indica también cómo se usan, y se incluyen otras con las que pueden reemplazarse. “Es un diccionario para escritores”, dijo María Moliner una vez, hablando del suyo, y lo dijo con mucha razón. En el diccionario de la Real Academia de la Lengua, en cambio, las palabras son admitidas cuando ya están a punto de morir, gastadas por el uso, y sus definiciones rígidas parecen colgadas de un clavo. Fue contra ese criterio de embalsamadores que María Moliner se sentó a escribir su diccionario en 1951.»

terça-feira, 21 de julho de 2015

Censura no dicionário?

E de novo, desta vez na Espanha, uma tentativa de censurar o dicionário.

Assim como aconteceu no Brasil, o foco é, novamente, a palavra "cigano".

Em uma propaganda, que pode ser vista aqui, crianças ciganas leem a definição do dicionário, que dá como sinônimo de uso a palavra "trapaceiro", ficam infelizes e no fim, é mostrada a frase "uma definição discriminatório gera discriminação".

Depois disso, o diretor da RAE explica a situação e diz ""un criterio muy claro al respecto: la Academia no inventa las palabras, pero tampoco las promociona, no pide a los hispanohablantes que las usen. Lo que hace es recoger las palabras que están realmente en la lengua".

Não cabe censurar o dicionário. O dicionário é o espelho que reflete o uso. Não é o dicionario que tem que retirar esse uso, é o mundo.

Tomara que em breve o uso de "trapaceiro" para cigano ganhe nos dicionários a marca "obsoleto".

Aqui, a reportagem do diretor da RAE.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Mistérios lexicográficos

Por que será que as cores não combinam entre si no novo Acordo Ortográfico ?


Cor-de-rosa, com hífen. 

Cor de burro quando foge e cor de carne, sem hífen.

Alguém sabe a razão da diferença? Comente aí embaixo, por favor.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Quando o dicionário decepciona:



Verbete "protease" no Aulete, apenas com a categoria gramatical, sem encaminhamento para outro verbete ou qualquer definição.

No caso, "protease" é a forma mais comum e não preferencial de "protéase", "enzima ou fermento que digere as proteínas; qualquer enzima proteolítica."



domingo, 17 de agosto de 2014

O novo e o velho Aulete

O Aulete mudou. Você já viu?


O dicionário Aulete, um dos mais populares da internet, gratuito, aparentemente deixou de ser hospedado pelo portal UOL. Com isso, mudou de endereço para um domínio próprio, está em http://www.aulete.com.br/.
A mudança também afetou outros elementos na apresentação do dicionário. O que mudou exatamente? O que melhorou e o que não?

Comparando um print screen do verbete mulher do "velho" Aulete com outro do mesmo verbete do "novo" Aulete já podemos notar várias diferenças:




Acho que a primeira diferença que se percebe é a perda do índice dos verbetes do lado esquerdo. E isso é uma vantagem ou uma desvantagem?
Na minha opinião, uma desvantagem, pois dificulta para o consulente que não lembra ou não conhece bem a palavra buscada encontrar o que está procurando. 
Nós consultamos o dicionário por várias razões, as mais frequentes são para verificar a grafia ou para saber o significado de uma palavra, termo ou expressão.
Às vezes temos a palavra para procurar, pois a lemos em algum lugar, ou ouvimos de alguém. Muitas vezes, porém, temos uma ideia vaga da palavra, ou não sabemos ao certo como escrevê-la. Nesses casos, a lista ao lado dos verbetes ajuda a encontrá-la, e ainda serve para os mais curiosos pesquisarem palavras novas e pesquisarem seus significados e usos.
Nessa nova apresentação, isso foi perdido. Para procurar uma palavra, você precisa conhecê-la.

Outra coisa que se percebe é que, do lado oposto à antiga lista agora há uma espécie de gráfico com palavras análogas, no caso "fêmea" e "mulher". Ao clicar em "fêmea", por exemplo, o consulente é conduzido para o dicionário analógico (um dicionário de idéias afins), que se vê na abinha azul acima do verbete. No dicionário analógico encontramos substantivos, adjetivos e verbos relacionados à ideia de fêmea/mulher. E para que serve isso? Para não ter que repetir sempre a mesma palavra ou para achar aquela que é mais precisa para uso no seu texto. Clicando numa dessas palavrinhas, o dicionário te leva para o verbete descritivo novamente. Vantagem? Sim, e enorme!



Porém... se você errou a digitação e escreveu "muljer" ou "mulger" o resultado é "verbete não encontrado". Se você escrever, "mulhér" o dicionário sugere a grafia "mulher" já encaminhando para o verbete mais próximo por semelhança. Mas com o erro perde-se a sugestão das palavras análogas, que não são mais mostradas. Obviamente, com a palavra "mulher" a dedução é mais fácil, mas imagine quando você está procurando uma palavra bem mais complicada? Pode ser que a palavra até conste do dicionário, mas você acabe não achando. Desvantagem.

A visualização do verbete também ficou mais reduzida. A área para visualização imediata ficou pequena, para ver todo o verbete (inclusive as locuções, que estão bem no final do verbete) é preciso rolar bastante a barra, que está mais fininha e mais apagadinha. Para olhos incautos, pode parecer que o verbete é curtinho, com poucas acepções. Uma desvantagem, sem dúvida.
Para compensar, ganhamos uma aba de gramática básica, acima do verbete, com as noções e informações mais elementares sobre a gramática do português. Uma vantagem, sem dúvida.

Aparentemente o conteúdo do dicionário não mudou, as acepções e verbetes permanecem iguais.


Segundo a administração do site, aqui, o servidor foi atacado por hackers e, por isso, a mudança.

E você, viu mais vantagem ou desvantagem?



sexta-feira, 25 de julho de 2014

«Lutam com as palavras os escritores, os Drummonds, aceitando-lhes as definições correntes ou, no seu direito de artistas, modificando-lhes o sentido, ou criando novos, ou novas palavras; e lutam, igualmente, os dicionaristas, redefinindo-as, acrescentando-lhes significados ou introduzindo-as no léxico, após enfrentar a tarefa, tantas vezes penosa, de captar-lhes a essência, desentranhar-lhes o sentido, infundir a alma num corpo. Uns e outros se empenham na luta - e sempre com a esperança de que não seja vã. Em nossos casos particulares - o do Poeta e o deste aprendiz de lexicografia - há uma diferença (deixem passar a confissão): a luta de Drummond principia “mal rompe a manhã”, a do aprendiz, ordinariamente, vai até de manhã.»

Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo Aurélio Século XXI

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Partes de um verbete - a entrada

Você que costuma consultar dicionários para estudo, por motivos profissionais ou simplesmente por prazer, já parou para pensar como é elaborado um verbete, quais são os elementos que o compõe e o que pode ser descoberto em cada setor do verbete?
Hoje é o dia da parte inicial, a entrada.

A entrada, cabeça de verbete ou unidade léxica é a palavra, locução, frase ou elemento de composição que abre o verbete, sendo objeto de definição e de informação. Geralmente vem em negrito e em tipo redondo ou tipo itálico.

Na figura abaixo, aparece marcada em vermelho.



A entrada corresponde a uma unidade lexical e pode ser uma palavra simples, uma palavra composta por hífen, um elemento mórfico da língua, uma locução, uma redução (do tipo símbolo, sigla, abreviatura etc.); pode, ainda, ser múltipla e, em casos mais raros, tratar-se de  uma pequena frase. Veja os exemplos que se seguem:
Geralmente a entrada é grafada em minúsculas, podendo ser em maiúsculas no caso de siglas, acrônimos, símbolos químicos e marcas comerciais, por exemplo.


A entrada é apresentada na forma lematizada, ou seja, se é um substantivo ou adjetivo, no singular e no masculino, se é um verbo, no infinitivo.

Os homógrafos geralmente apresentam entradas separadas.

De modo geral, as formas femininas são registradas como entradas se apresentam acepções ou locuções que não estão presentes na forma masculina, como gata, que além de ser a fêmea do gato, pode ser uma máquina semelhante à catapulta, por exemplo.

Ao se digitar a palavra na forma feminina, alguns dicionários eletrônicos ou on-line direcionam o consulente para a forma lematizada alfabeticamente mais próxima daquela digitada.

Você é curioso? Descubra por que gata, macaca, canária, tia, filha, prima, médica, mestra e bailarina são entradas independentes das suas formas masculinas, pesquisando no Aulete ou no Houaiss.

Fonte: Dicionários Houaiss e Aulete.

terça-feira, 4 de março de 2014

Afinal, o que faz um lexicógrafo?

Acho que um bom começo para entender o que faz um lexicógrafo é, justamente, procurar a definição da palavra no dicionário:
No Aulete:

(le.xi..gra.fo) 
sm.
1. Lex. Ling. Aquele que pratica a lexicografia; DICIONARISTA
[F.: Do gr. leksikográphos. Hom./Par.: lexicografo (fl. de lexicografar).]


Confesso que não acho muito esclarecedor o que possa significar “praticar a lexicografia”, quem sabe olhamos no Houaiss?
A mesma coisa... Isso acontece porque, muitas vezes, as definições de um dicionário são copiadas de outros. Pois é. O corpus de um dicionário pode incluir outros dicionários já publicados.
Quando a definição não é muito esclarecedora, o jeito é procurar na palavra base, a palavra da qual aquela que você procura foi retirada: no nosso caso, é “lexicografia”:

(le.xi.co.gra.fi.a) 
sf.
1. Lex. Ling. A técnica de elaboração de dicionários.
2. O trabalho de compilação de vocabulários, definições etc.
3. A análise e conceituação teórica desse trabalho.
4. Estudo científico dos critérios envolvidos no trabalho de elaboração de dicionários.
[F.: léxic(o) + -grafia.]

Bem, agora já temos mais informações: um lexicógrafo, então, elabora e compila definições para palavras e termos, analisa e conceitualiza o trabalho de lexicografia e estuda os critérios envolvidos na elaboração de dicionários.
Mas… um lexicógrafo inventa palavras?
Pode acontecer, como nos conta Hélio Schwartsman neste delicioso artigo da Folha de São Paulo, já meio antigo, mas ainda muito atual.
Leiam o que ele diz sobre lexicógrafos que inventam palavras:

Em 1599, um holandês conhecido apenas como A.M. resolveu traduzir do latim para o inglês um importante trabalho médico de Oswald Gabelknouer, intitulado "O Livro da Física". Ocorre que o prestativo A.M. já havia há muito abandonado a Inglaterra e, por isso, esquecera quase todo o seu inglês. Isso não o intimidou e ele simplesmente colocou terminações inglesas nas palavras latinas. Alguns de seus amigos na Inglaterra o advertiram de que nenhum inglês teria a menor idéia do que estaria lendo. Novamente, o bravo A.M. não se intimidou e fez uma lista de seus barbarismos, traduziu-os por um sinônimo inglês simples. Alguns exemplos: "Frigifye, reade (leia-se) coole (resfriar); Calefye, reade heat (esquentar); Circumligate, reade binde (ligar)". Robert Cawdrey, autor de um importante dicionário inglês, usou a errata de A.M. como fonte e assim esses barbarismos acabaram entrando no léxico de Albion.
Um outro inglês, Henry Coockerram, foi ainda mais longe. Despudoramente inventou algumas palavras de que aparentemente gostava mas que nunca lera em texto nenhum. Incluiu em seu dicionário termos como: "adpugne", "adstupiate", "bulbitate", "catillate", "fraxate", "nixious", que chegaram a ter alguma existência na língua. Como o sr. Noah Webster teve a excelente idéia de retirar essas coisas de sua obra, não posso lhe contar o que significam.

Nos dias de hoje, porém, com o poder de pesquisa que a internet proporciona, é impensável que um lexicógrafo possa inventar palavras ou termos. Um lexicógrafo é um observador da língua, geral ou setorial, quase como um astrônomo que observa as estrelas no firmamento e registra a existência e a localização delas, ou ainda a primeira vez que uma determinada estrela foi observada, por exemplo.
Assim acontece com as palavras ou termos: o lexicógrafo nada mais é do que um observador, um registrador e um explicador de palavras, jamais um inventor.
Neste trabalho, a autora lista uma série de comportamentos dos dicionaristas que resultam em ações no seu fazer lexicográfico, comportamentos estes que são representados, na maioria das vezes, pelas palavras observar e registrar.
O bom lexicógrafo, portanto, jamais cairá na tentação de criar termos ou palavras, por mais que essa “brincadeira” possa lhe parecer tentadora.

Para concluir, uma entrevista com Peter Sokolowski, lexicógrafo que trabalha na Merriam-Webster Company, que conta um pouco sobre o seu trabalho (em inglês).